Criança é agora fórmula para aumentar as vendas

David Ogilvy, um dos mais respeitados publicitários americanos de todos os tempos não relutou em apontar a figura do bebê como um poderoso motivador de vendas, “ Para atingir a mulher, coloque um bebê”, afirmou. “Enquanto bebê ele é único. Depois de crescer , torna-se mais um vulgar membro da família”. Os publicitários brasileiros estão, cada vez mais, reafirmando esta descoberta,utilizando faixas mais amplas: “Papai se você correr a mais de 80 nós puxamos a sua orelha”; “Dê Massom que a mamãe perdoa”; “Chega de lagrimas” (shampoo para crianças).

Mas será que a criança realmente vende? Ou ainda, será que é válida a utilização de pequenos anjos gorduchos e sorridentes para promover alguns produtos – que quase sempre se relacionam mais com adultos do que com os pequenos? “A propaganda se vale de todas as tendências. Quer dizer, não é só a criança que vende, mas também o humor e o erótico em grande escala. A propaganda não é responsável pelo grande número de crianças que surgem nos aparelhos de televisão, da mesma forma que não tem culpa do grau de erotismo dos anúncios. Ela apenas aproveitou uma tendência mundial, como sempre faz”.

Caio Domingues, diretor da agencia que leva seu nome, uma das principais agencias de publicidade brasileiras, acha que tudo o que acontece em termos de propaganda é fruto da evolução da sociedade. Mas ele também acha que estes meios podem ser empregados: “A crianças em escala igual à do erotismo, mas em outro nível – tem qualidades para atrair o público. É claro que não há sentido em fazer uma criança vender um produto que não tenha nada a ver com ela. Mas se o produto é para crianças, porque não utilizar um criança para vende-lo”.

A MAIORIA DOS PAIS SEGUE AS SUGESTÕES DE SEUS FILHOS

A identidade que existe entre as crianças criou , a partir deste conceito, a idéia de que quase tudo pode ser vendido por elas: de pasta de dentes a automóveis, quase todos os anúncios são dirigidos principalmente para as crianças. A exceção fica por conta das fraldas e outros produtos para bebê que, evidentemente ainda não possuem percepção visual para serem motivados. E é quase sempre a figura infantil – somada aos apelos de frases sugestivas ou jingles de fácil assimilação a grande responsável pelo sucesso de vendas deste ou daquele produto.

A criança cresceu no meio do desenvolvimento da sociedade de consumo, e por isso é menos desconfiada em relação aos anúncios que recebeu diariamente e aceita sem problemas as mensagens publicitárias. E, na medida que aprende musicas, repete frases e imita os pequenos artistas que vê, provoca nos pais a imediata simpatia em relação ao produto. Segundo uma pesquisa francesa, realizada no último ano, 78 por cento dos pais entrevistados afirmaram ser influenciados pelos filhos nas horas das compras e 75 por cento preferem comprar produtos que ofereçam prêmios – ou possibilidades de – aos seus filhos.
Assim, tal marca de gasolina receberá a preferência dos adultos porque oferece brindes às crianças que estão dentro do veículo, uma marca de sabão- em- pó passa a ser consumida porque, de dentro da caixa, surgirão as mais diversas surpresas; carrinhos, aviõezinhos, bonequinhos (geralmente o símbolo do produto comprado).

Os pesquisadores franceses vão mais além: as crianças adoram a publicidade, que as transforma em rainhas durante os segundos que compõem o filme publicitário.

Essa sensação de poder, de domínio, segundo os técnicos, vai crescendo à medida em que as agências promovem entrevistas para conhecer o mundo infantil e suas possibilidades comerciais. E a identificação se faz a tal nível que, quando uma criança é convidada a fazer a publicidade deste ou daquele produto, ela esta simplesmente realizando um sonho: o de aparecer no vídeo, identificando-se com “n” outras crianças.

PARA AS EMPRESAS UM RETORNO RÁPIDO DE SEUS ANÚNCIOS

Essas pesquisas publicitárias modelaram vários protótipos, todos amplamente utilizados no mundo inteiro: a criança que recomenda as crianças alvo, a criança-álibi. Mas todos eles vendem, ou atingem o objetivo proposto. Em outras palavras: a criança e a publicidade gostam um do outro, mas o prejuízo ou a satisfação – tudo depende do caso – fica por conta dos adultos. Mas, de qualquer forma, resta o consolo de saber que uma criança não engana: se uma delas aparece usando uma marca de sabonete, isto quer dizer que aquele produto não é nocivo para os adultos.

 

Por outro lado, o aproveitamento de símbolos já conhecidos do público infantil também ajudou na venda de produtos. Para fugir ao esquema da criança fazendo publicidade, a Phebo de São Paulo decidiu usar os bonequinhos de Mauricio de Souza para sua linha de produtos infantis. Segundo o professor Flavio Farias, da Faculdade de Comunicações Sociais Casper Líbero, de São Paulo, a utilização de símbolos já conhecidos pelas crianças é um importante elemento de identificação.

“ Assim como os adultos, as crianças se sentem muito mais à vontade quando colocadas diante de um universo conhecido, no caso os desenhos de Mauricio”, afirma. “ Elas já conhecem os desenhos através da própria televisão, que já os utilizou em diferentes propagandas. A resposta é imediata, o que em termos empresariais é muito bom”.

UM RISCO: A PERDA DA CRIATIVIDADE NO MUNDO INFANTIL

Dessa forma, as crianças vão tomando conta de um meio de comunicação que, até pouco tempo, pertencia aos adultos. Se antes a propaganda procurava atingir as donas- de- casa – principais consumidoras da família – hoje ela pretende atingir os filhos, que servem também de justificativa para os excessos que eventualmente possam ser cometidos dentro de um supermercado: em última analise, tal produto foi comprado para atender ao pedido de uma criança, e não para satisfazer a necessidade de consumo de uma adulto.

E é neste sentido que surge uma observação de Flavio Farias: os próprios supermercados conscientes deste domínio infantil nas compras, estão empregando uma técnica de vendas extremamente funcional: “Em qualquer supermercado, ou grande loja pode-se notar esta mudança. Os produtos cuja publicidade é dirigida às crianças estão colocados em alturas mais baixas, exatamente ao alcance destes consumidores. Bolachas,brinquedos,sabonetes e até curativos antissépticos podem ser apanhados facilmente pelas crianças e colocados no carrinho de compras da mãe”.

Mas este mundo construído de modo artificial pode, segundo especialistas franceses, cercear o que de mais importante elas possuem: o seu mundo de criança, o jogo simbólico do faz- de conta. Na medida em que a criança recebe um mundo pronto, com fadas, bonecos animados musica e cores, sua criatividade corre o risco de se apagar, inibida por esse acumulo criativo da publicidade. Os sonhos de criança poderão se tornar cada vez menos criativos e mais pobres, cada vez mais em acordo com um esquema artificial que lhes é dirigido preferencialmente.

Matéria publicada no Jornal – Folha da Manhã – do Grupo Caldas Junior – RS
Em 14 de maio de 1977, Coluna: propaganda/rp/marketing

– Como você vê hoje esta informação quase 40 anos depois?